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junho 26, 2006

MANUAL DE UTILIZADOR DO METROPOLITANO - LIÇÃO II

Utilizar as guilhotinas


As guilhotinas são, para quem ainda não tenha reparado, aquelas placas transparentes dispostas aos pares no acesso à plataforma do metropolitano. E o seu princípio de funcionamento é até bastante simples. O macaco detentor de título de transporte tem apenas de validá-lo e as placas abrem-se para que este prossiga com a sua vida, em direcção ao emprego, a casa, ou a outro sítio qualquer. Tão simples como descascar uma banana…ou talvez não.
Segue desde já o meu voto de solidariedade para os macacos incompreendidos, e que simplesmente não compreendem como estas maquinetas diabólicas funcionam, extensões do próprio Satanás, sofrendo violência física e psicológica às mãos destes Belzebus de acrílico dia após dia, com a agravante de serem à posteriori alvo de chacota, açoitamento público e por fim ostracismo social. Sigam cuidadosamente estas indicações e recuperarão a vossa dignidade enquanto o Diabo pica um bilhete de metro.


1 – Formar filas de espera ordenadas é sinal de civismo. Deste modo evita-se aquela sensação embaraçosa de, inadvertidamente, passar à frente de alguém, à qual seguir-se-ia um merecido olhar reprovador que nos trespassa como se fosse uma lâmina embebida em éter.
Outra das situações igualmente embaraçosas passíveis de acontecer, é a frequentíssima “passas-tu-ou-passo-eu”, que dá origem a um forte encontrão quando ambos os macacos acham ser eles próprios donos da maior urgência. Perante a inevitabilidade dum “passas-tu-ou-passo-eu”, é sempre bom deixar o outro primata passar primeiro, pois podemos sempre dar o olhar “passe-passe-que-eu-sou-mais-educado-e-polido” e esperar que alguma macaca tenha reparado. Atenção que as macacas velhotas reparam sempre nestas coisas (são muitos anos de experiência) e isso dá-lhes imediatamente um motivo para começar uma conversa. Portanto há que ser discreto também.
Finalmente pode também acontecer não repararmos que não estamos na fila, e depois quando chegamos à beira da guilhotina estamos na Terra de Ninguém. É o pior dos casos. Nesta situação só nos resta recorrer à boa vontade doutro primata que nos deixe passar primeiro (e não se esqueçam que nos transportes públicos anda toda a gente de trombas e com má vontade) ou então enfrentar a humilhação que é voltar para o fim da fila, seguida dos olhares reprovadores dos outros primatas.


2 – Validar de forma correcta o título de transporte mostra que estamos em perfeita sintonia com o ambiente que nos rodeia, como naqueles filmes de artes marciais em que o protagonista, cercado e em esmagadora inferioridade numérica, derruba a matulha de macacos malvados que tentam impedi-lo de comer mais bananas, com meia dúzia de golpes carregados de eficiência, precisão e elegância, quase em câmara lenta, tudo isto de olhos fechados e sem qualquer tipo de expressão facial.
Actos como tentar violar a ranhura com o bilhete, acompanhados de vernáculo e de um gesticular carregado de stress, só levam a que o bilhete fique irreversivelmente danificado, forçando a compra de um novo exemplar e uma viagem até ao fim da fila. O bilhete deve ser depositado calmamente no bordo da ranhura correcta. Depois, resta aguardar que a maquineta sugue esse poderoso pedacito de cartão e o devolva, noutra ranhura um pouco mais à frente, devidamente validado. Todo este processo deve ser executado como se fosse ao som de música do Tibete, com gestos largos, harmónicos e um expressão facial absolutamente Tao. Ah, não esquecer a respiração.
Para os detentores de passe com banda magnética, é bom lembrar que o cartão não entra na ranhura, portanto a questão da violação supracitada também se aplica. Outra coisa a evitar é esfregar desesperadamente o passe no terminal magnético. Caros primatas, não somos o Aladino e não estamos a lidar com o Génio da Lâmpada. Basta encostar suavemente o passe ao terminal e aguardar pela validação. A questão dos gestos harmónicos, música tipo loja Natura, expressão facial taoista e respiração relaxada também se aplica, é claro.


3 – Atravessar a Guilhotina isento de danos físicos e psicológicos

É precisamente nesta última fase que se separam os macacos dos macaquitos e dos macacóides. E, como na vida, o timing é tudo. Timing e respiração, e deixar a energia fluir livremente. Após aquele sinal sonoro que indica a validação do título de transporte não convém desatar a correr em direcção às placas de acrílico. Tal atitude resulta na maioria dos casos num choque frontal com uma duríssima parede transparente. O atravessamento deve ser encarado como uma viagem em direcção ao desconhecido, pois nunca sabemos onde vamos acabar. Após o sinal sonoro, devemos dirigir-nos calmamente mas de uma forma decidida em direcção ao outro lado, tendo o cuidado de acondicionar correctamente a bagagem, para que esta não nos atrapalhe (pois a passagem é estreita) nem fique presa após o fecho da guilhotina. Muito cuidado com malas, sacos de plástico e qualquer tipo de carga a tiracolo.


4 – A Consagração – A Caminhada até à Plataforma

A caminhada até à plataforma não é mais do que a consagração de todo um processo bem sucedido. É como a volta ao estádio olímpico após a maratona. A única dificuldade está naqueles macacos empecilhos que param para conversar, abrir a mala, fechar a mala, coçar a cabeça, etc, no local que afecte ao máximo o fluxo de primatas até então regular. Estes indivíduos são um perigo para a sociedade e devem ser cautelosamente evitados. De resto, este percurso de consagração deve ser desfrutado sem pressas, com a elegância de um top model a desfilar.

1 comentário:

João Esquecido disse...

Agradecemos-te, V. Exa. Cardinal Vinte & Sete, por partilhares os teus pensamentos iluminados.