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novembro 21, 2008

Para que servem os simulacros?

O rescaldo de um simulacro caracteriza-se sempre por uma peça de reportagem que acaba por se repetir em tudo o que é canal, onde a jornalista, de capacete e colete (não lhe vá cair um edifício qualquer em cima ou não vá ela ser atropelada por um motorista da carris vesgo) percorre uma série de perguntas já muito gastas e combinadas de antemão com o seu entrevistado, normalmente um operacional qualquer da protecção civil ou bombeiros, também equipado a rigor com uma farda que lhe serviu há vinte anos atrás e de capacete (não lhe vá um daqueles pombos de mau feitio cagar em cima e provocar um traumatismo craniano ou uma vista vazada).
Durante a entrevista passam sempre imagens do simulacro com pessoas a serem imobilizadas e transportadas de maca, cobertas de sangue a fingir, cortes de estrada, ambulâncias em alta velocidade, etc – enfim, há que mostrar onde são aplicados os milhões de euros dos contribuintes.
De seguida a reportagem prossegue no estúdio, já com uma alta instância qualquer da protecção civil que faz questão de salientar o sucesso do simulacro, enumera pormenorizadamente os meios utilizados – mais socorristas do que socorridos – e agradece por fim a colaboração dos munícipes, sem deixar de se congratular pela rapidez e eficiência do sistema de ponta instalado há dois anos.
Os espectadores/munícipes, contagiados por todo este optimismo radiante, são invadidos por uma sensação de segurança e pertença e participação, e sentem-se seguros e protegidos contra terramotos, dilúvios, tsunamis, furacões, ciclones. “Ah, não é porreiro viver aqui?”, pensamos.
Bem, como qualquer macaco que já tenha estado perto de uma catástrofe, parece-me que nos simulacros não está presente o factor que, a meu ver, é responsável por uma grande parte dos danos – o pânico!
Se toda a gente está ao corrente do simulacro, como é que podemos pensar que estamos a simular uma situação real? Não estamos, pois claro. Se eu souber que vai haver um simulacro no meu emprego vou imediatamente rever o plano de emergência para saber o que tenho de fazer quando soar a campainha. Ninguém vai entrar em pânico porque todos sabem que não há perigo nenhum, nem sequer vale a pena desligar os computadores. A malta até aproveita para fumar o cigarrito das 15h30 enquanto está na rua ou ir à mercearia comprar grão para o jantar…
Nalgumas empresas, o simulacro é mesmo motivo para não se fazer mais nada o resto do dia!
Da Dona Graciete, que trabalha na secretaria há 30 anos, nem se fala. “Simulacro? Para quê? O meu médico de família proibiu-me de descer escadas. Fico com as pernas inchadas porque tenho má circulação nas pernas e com este tempo frio, os joanetes dão cabo de mim. Eu fico cá em cima!”.
Por seu lado, o Doutor Costa Ferreira, administrador, diz logo “Estou numa reunião importantíssima com um vendedor de automóveis a escolher a cor dos estofos do carro novo e não posso interromper.” juntando-se-lhe a secretária logo que é dada a ordem de evacuação, 20 anos mais nova, “O Doutor chamou-me! Vão vocês que já lá vou ter.”.
Tem piada e tal, é mesmo assim, estarão vocês a pensar. A não ser que se revejam na Dona Graciete, no Doutor Costa Ferreira ou na Micá, a secretária boazuda.
Na realidade, deixem que lhes diga, é o pânico. Tudo ao molho e fé em Deus, gritos, empurrões, histeria – assim do género centro comercial em fim-de-semana de saldos. E, como é óbvio, não corre nada bem.
Basicamente safam-se os mais fortes (como na selva) e os que conseguirem manter a calma e seguir o plano de emergência.
A Dona Graciete, como não pode descer escadas e nem sequer sabe onde é que as escadas vão dar, pois só lhes conhece a entrada (mesmo ao lado da casa de banho das senhoras), corre para o elevador, o que como qualquer um sabe, é absolutamente errado em caso de incêndio, terramoto, etc. Resta-lhe descer as escadas no meio de uma turba de gente aos gritos e empurrões. Com aquelas pernas inchadas e joanetes? Não me parece…
O Doutor e a secretária, a meio do acto, julgam que se trata de um simulacro e nem se apercebem da agitação. Resta-lhes tentar acabar em grande, pelo menos ele, porque toda a gente sabe que ela só lhe dá estas abébias porque ele lhe paga todos os meses o apartamento em Alvalade e o BMW.
Depois há sempre uns cromos que a meio do percurso de se lembram que deixaram a carteira e o portátil na secretária e tentam voltar para trás. Estão também condenados ao insucesso, provavelmente associado a alguma dor.
Os restantes, que ou se lembram das parte que interessam do plano de emergência, ou que têm a sorte de seguir atrás destes, safam-se sem grandes danos.
Os meios de salvamento chegam tarde e descordenados, pois devido ao pânico generalizado, o trânsito fica impossível.
Portanto, de que servem os simulacros? Não sei, desafio quem queira a explicar. Mas pelo sim pelo não, vou dar uma leitura no plano de emergência, não vá o Diabo tecê-las.

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